sábado, 28 de janeiro de 2012

Noites de Insônia: cartas de uma antropóloga a um jovem pesquisador

Procurando algo para ler pelos sites de compra de livro, eis que me deparo com a sugestão "Noites de Insônia". O título e, em seguida, a sinopse logo me atraíram e quando vi que o livro é de autoria da professora e antropóloga Mirian Goldenberg não tive dúvidas quanto a sua compra. Eu já havia lido "A arte de pesquisar" da mesma autora e lembrei da forma clara e objetiva com que ela escreve. 
Mirian Goldenberg é doutora em antropologia social pelo Museu Nacional//UFRJ, e atualmente é professora do IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Socias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns temas trabalhados pela antropóloga são: Gênero, Gerações, Corpo, Envelhecimento, Infidelidade,  Sexualidade, Construção de novas conjugalidades e famílias.

Noites de Insônia é um livro "mais subjetivo, auto-relfexivo"; isso porque traz em suas 95 páginas as angústias, os entusiasmos, a vaidade, as mesquinharias, a paixão e as vitórias do mundo acadêmico, da pequisa científica e da experiência profissional e diária de alunos e professores. Está-se falando de uma antropóloga apaixonada pela sua profissão, que a vive 24 horas, onde até a hora de dormir pragueja por não conseguir desligar a mente, mesmo com o corpo exausto. Quem nunca teve essas noites terríveis? A intenção da autora é poder amenizar um pouco a noite de insônia daqueles "leitores e leitoras mais curiosas" que não conseguem desligar...
Ao meu ver o livro, traz relatos reflexivos que nunca são divulgados, mas que todos (me refiro aos envolvidos com a pesquisa e a academia) guardam numa espécie de inconsciente comum...
O livro reúne 4 palestras ministradas nos últimos anos por Mirian Goldernberg. A primeira intitulada Cartas a um jovem pesquisador, ela refere-se às "angústias naturais do momento de escrever a dissertação ou a tese". Citando Elias, a autora deixa claro que:
[...] Noventa por cento dos jovens encontram dificuldade ao redigir seu primeiro trabalho importante; e às vezes, acontece o mesmo com o segundo, o terceiro ou décimo, quando se consegue chegar aí. teria agradecido se alguém me dissesse isso na época. Evidentemente pensamos: Sou o único a ter tais dificuldades para ecsrever uma tese...(p. 29).
Mas não toca só neste tema, ela cita também as cobranças do mundo acadêmico, a avaliação diária que os professores-pesquisadores sofrem dos alunos, dos orientandos, dos colegas e a cobrança de si próprio em sempre está dizendo algo genial e brilhante. Como exemplo, Mirian fala de algumas situações e saias justas enfrentadas por teóricos renomados, tal como Anthony Giddens e sua dificuldade para ser nomeado para uma cátedra de sociologia em Cambridge, o qual foi recusado 9 vezes para o cargo. Outras experiências , citadas como elucidativas dessa cobrança vivida no mundo acadêmico, foram as dos autores Bourdieu, Marshall Sahlins, Roland Barthes e Howard Becker. Segundo Mirian Goldenberg estes autores ao fazerem questão de registrar tais experiências têm como intuito não naturalizar a docência, mas sempre investir na reflexão epistemológica de sua prática.
O segundo capítulo do livro intitula-se O que querem os nossos alunos?. A autora reflete, a partir de uma pesquisa junto a alunos de Ciências Sociais, sobre alguns problemas do curso. A pesquisa contou com 60 questionários, dos quais teve 40 respondidos. Entre os problemas apontados nas respostas estão: 1º) os professores, retratados como cansados e atrasados. 2º) as aulas, descritas como formais, caretas e pouco dinâmicas. 3º) a estrutura do curso, referente à falta de espaços e locais adequados; e por fim 4º) as avaliações, que segundo os alunos são genéricas e pouco criteriosas, que abrem "precedente para o aluno escrever um milhão de coisas"; em geral, não cobra-se a definição de categorias e conceitos que estruturam as obras estudadas. Todas essas questões deveriam servir como alerta, segundo a autora, para as mudanças nos cursos de Ciências Sociais.
O terceiro capítulo denomina-se Vale a pena e é dirigido aos alunos, fala diretamente sobre a paixão por seguir essa carreira, a de Antropóloga ou Cientista Social, apesar do caminho solitário e com resultados não tão imediatos. 
         
Mas, porque vale a pena? Vale a pena porque as ciências sociais nos dão um instrumental teórico e prático para pensar o mundo de forma criativa. Vale a pena porque podemos usar o instrumental que recebemos para buscar compreender a cultura brasileira de diversas formas. Assim, podemos enxergar a nossa cultura até mesmo, ou principalmente, nos programas de televisão mais medíocres, nas novelas, nos filmes, no futebol, na moda, na praia, nas eleições, no cotidiano, etc. [...] Vale a pena porque o curso não está voltado apenas para a formação do profissional, mas, também, de ser humano mais pleno, consciente de seus papel social... (pp. 63-64).

O último capítulo chama-se Noites de Insônia, a autora fala sobre o seu "currículo Leila Diniz", um tipo de currículo onde é registrado a parte prazerosa e rica da sua vida pessoal e profissional, que não vale nenhum pontinho no lattes. Segundo Mirian, este currículo a impede e a protege de se tornar "a triste, deprimente e patética figura acadêmica que só se preocupa com seus próprios interesses” (p. 79). 
O livro em si é uma verdadeira defesa à graduação e à carreira de cientista social. "Os devaneios nortunos de uma antropóloga" nos transmite a possibilidade de pensar e escrever todos os passos do intelectual, mesmo quando ele não está necessariamente envolvido com seu trabalho. Como nos diz Bourdieu esses passos são constitutivos do campo com o qual e contra o qual cada um se fez. Por isso, não se pode desconsiderá-los. Lembrando que "noites de insônia", também, podem fazer parte deste percurso.